Nuvens de gafanhotos são sinais de desequilíbrio do planeta e podem se tornar frequentes , alerta pesquisadora

Nuvens de gafanhotos são sinais de desequilíbrio do planeta e podem se tornar mais frequentes, alerta pesquisadora 
O ciclone bomba pode ter posto, aparentemente, um fim na nuvem de gafanhotos que ameaçava o Rio Grande do Sul, mas não acabou de vez com a praga. Esquecidas por décadas até reemergirem este ano, as nuvens de gafanhotos fazem parte da história do Sul e, por muitas vezes, uniram na mesma tragédia o Brasil e seus vizinhos, mostra uma recém-defendida tese de doutorado no Laboratório de História e Natureza da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Autora do trabalho “La lucha contra la langosta (a luta contra o gafanhoto): processos biossociais na América do Sul (Argentina, Brasil e Uruguai, 1897-1952)”, a historiadora ambiental Valéria Fernandes alerta que, em tempos de mudança do clima, os gafanhotos, cujas nuvens são “acordadas” e regidas por gatilhos climáticos, podem voltar.

Este ano houve nuvens também na Ásia e na África, elas têm relação?

Todas têm relação com o clima. E o mundo sofre com mudanças climáticas. Por isso, achamos que essas nuvens podem se tornar mais frequentes. O calor favorece as nuvens migratórias porque os gafanhotos são ajudados pelas térmicas e voam mais alto e mais longe. Mas não é só o calor. São as alterações abruptas. Na África, sabemos que o gatilho foi uma chuva intensa fora de época. São sinais de desequilíbrio do planeta.

Desde quando temos relatos de pragas de gafanhotos no Brasil?

Há muito tempo. Mas somente depois de 1886, com a expansão da fronteira agrícola no Pampa, é que as infestações destes gafanhotos passaram a ser recorrentes e consideradas um problema. A tese aborda justamente a história biossocial das pragas de gafanhotos na América do Sul. Durante os anos de 1896 e 1952, os gafanhotos migratórios sobrevoaram sua região ecológica, nos territórios de Argentina, Brasil, Uruguai, Bolívia e Paraguai.

E por que desapareceram?

Elas foram contidas por características dos próprios gafanhotos, que só ocasionalmente se agregam, e políticas de controle. Os países desenvolveram diversas políticas públicas para combate ao gafanhoto, realizando, em Montevidéu, de 1913 a 1948, reuniões internacionais para abordar o problema de forma conjunta. Em 1948, fundaram o Comitê Interamericano Permanente Antiacridiano.

Eles podem voltar?

No Rio não porque foram controlados pesadamente no passado. É improvável que voltem ao Rio. Mas também não poderemos mais usar DDT para controlá-los. Acredito que essa nuvem só chegou às dimensões vistas este ano porque houve falha na vigilância dos países, provavelmente, devido à pandemia de coronavírus, que prejudicou todo o trabalho. Não se sabe nem de onde essa nuvem veio exatamente, se da Bolívia, da Argentina, do Paraguai. Ninguém quer assumir a “paternidade” do gafanhoto.

Do portal O Globo

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